quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Alguma Poesia de Ferreira Gullar

POEMA SUJO (Bela, Bela)

(...)
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era...
Perdeu-se na carne fria
perdeu-se na confusão de tanta noite e tanto dia
perdeu-se na profusão das coisas acontecidas
constelações de alfabeto
noites escritas a giz
pastilhas de aniversário
domingos de futebol
enterros corsos comícios
roleta bilhar baralho
mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa
e de tempo: mas está comigo está
perdido comigo
teu nome
em alguma gaveta




TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?



CANTIGA PARA NÃO MORRER

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.


MEU VENENO

Atrás de meus olhos dorme
Uma lagoa tão mansa *
E o céu que trago na mente
Meu vôo jamais alcança
Há no meu corpo um incêndio
Que queima sem esperança
A própria terra que piso
Vira um abismo e me come
Corre em meu sangue um veneno
Veneno que tem teu nome.

* – O verso musicado por Milton Nascimento foi modificado para:
“Uma lagoa profunda”

Os versos acima ganharam músicas de Milton Nascimento - Bela, Bela (Poema Sujo) e Meu Veneno, e de Raimundo Fagner – Traduzir-se e Cantiga Para Não Morrer.



Nasceu José Ribamar Ferreira em São Luís, Maranhão, em 1930 e era um dos onze filhos que teriam seus pais, Newton Ferreira e Alzira Ribeiro Goulart. Modificou seu nome aos 18 anos, adotando o "Goulart" materno, adaptado a uma grafia portuguesa.
Biografia

Nenhum comentário:

Postar um comentário